O relógio.
Estava parado quando a conheci. Daqui do alto, nesse lugar sagrado, observava de longe aquela pressa que a movia, mas nã o a deixava sair do lugar. Ainda pequena, ouviu dizer do mundo que tinha de correr. Nã o sabia pra onde e nunca parou para escutar. Passou a vida toda indo, poucas vezes foi. Ansiava tanto pelas chegadas que raramente reparava no caminho. Desatenta, cometia sempre os mesmos erros - e corria ainda mais para fugir deles! Os ponteiros ensinaram que o mais importante era seguir em frente. Ela só nã o percebia que, como eles, andava em círculos. De tanto girar, ficou tonta. Nã o resistiu aos vultos de suas próprias multidões. Agora era a vida que ventava sob seus olhos! Com a vista embaçada, e sem conseguir abri-los direito, foi obrigada a olhar para dentro. Há tanto tempo nã o se via, que quase nã o se reconheceu. Teve medo de nunca se encontrar - e quem a esperaria? Mas lá no fundo, diante da eternidade, percebeu que o tempo nem existia.